Por Walter Cardozo
São Paulo nos escreve: "Quanto às mulheres, Que elas tenham roupas decentes e se enfeitem com pudor e modéstia. Não usem tranças nem objetos de ouro, pérolas ou vestuário suntuoso. Pelo contrário, enfeitem-se com boas obras, como convém às mulheres que dizem ser piedosas. Durante a instrução, a mulher deve ficar em silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem. Portanto, que ela conserve o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, pecou". (I Tim. 2,9-14).
Estas e outras passagens dos escritos de São Paulo têm concorrido para criar em muitas pessoas, especialmente entre os cristãos não formados e uma sociedade não religiosa, uma imagem triste do Apóstolo, apresentando-o como um homem antipático e negativo.
Porém se aprofundarmos nos escritos, fazendo uma verdadeira exegese, vamos ver uma realidade diferente e que existe um grave erro sobre a figura deste glorioso personagem da Igreja primitiva.
Carlos Mesters mostra em seu livro (Paulo Apóstolo: Um trabalhador que anuncia o Evangelho- 2008) que a relação de Paulo com as mulheres é de um profundo respeito pelo trabalho exercido por elas nas comunidades que fundou e ainda agradece e elogia seus esforços.
É bem verdade que alguns dos textos de Paulo trazem dificuldades, pois aparentemente, coloca as mulheres numa posição inferior aos homens, mas a leitura destes textos dever ser "pensando com a cabeça" daquela época, como exige a exegese. A cultura e a consciência que temos hoje não são as mesmas daquele tempo quando se fala da participação da mulher nas comunidades, pois olhando com a nossa cultura atual, Paulo seria um exemplo de machismo, opressão e retrocesso, quando na verdade deve ser considerado como um progressista para as comunidades daquela época. Carlos Mesters também nos esclarece que estes textos na maioria das vezes queriam resolver problemas de determinadas comunidades, portanto, não devem ser vistos
como leis Universais".
Com relação a outros textos de Paulo que nos causam dificuldade para lê-los como os de I Cor: 11, 2-16, Ef. 5, 21-24, estes também devem ser lidos com mais cautela, para que novamente as mulheres não sejam discriminadas; estes também são textos que para uma melhor compreensão precisamos verificar o contexto em que estão inseridos
Marga J. Stroher ("A Igreja na Casa Delas") e Luise Schottroff (Exegese Feminista) vão dizer que o texto de Romanos 16 é a chave de leitura para a história das mulheres nas primeiras comunidades cristãs. Quando lemos este texto, nós podemos perceber claramente que o apóstolo Paulo faz agradecimentos a algumas mulheres, sendo que varias delas aparecem sem a presença de uma figura masculina.
A citação de Febe, Prisca, Maria, Preside dentre outras mulheres, chamando-as de diaconisa, colaboradora - mesmos títulos usados em referência aos seus companheiros homens demonstra o respeito que Paulo tinha com as mulheres. Numa sociedade onde a mulher não era nem sequer considerada a sua presença. Agradecimento público, pelos trabalhos realizados na comunidade, muito pouco comuns na correspondência e na mentalidade de um homem daquela época, foge do padrão machista de que Paulo é acusado e nos garantem que, na prática, Paulo atribuía um lugar de destaque à mulher.
Como nós sabemos, antigamente, os estudos de filosofia e retórica eram reservados aos homens. Na maioria das vezes, o papel de falar e ensinar eram destinados aos homens, principalmente nas sinagogas, mas algumas mulheres ainda conseguiam desempenhar este papel nas comunidades fundadas por Paulo, o que não era uma norma para aquele tempo. Nos vários textos lidos, podemos perceber que muito embora os papéis das mulheres variassem de região para região, no que diz respeito às mulheres, Paulo está mais para um autor progressista do que machista para o seu tempo. Até mesmo quando ele diz que a mulher deve profetizar com a cabeça coberta, pressupõe-se que existam profetizas, tudo o que Paulo faz é, seguindo uma tradição do Antigo Testamento, exigir que as mesmas usem véu.
Um exemplo muito claro desta ideia progressista está na carta aos Gálatas, onde encontramos um texto que é o mais forte que todos os outros que ele escreveu, em favor dos direitos da mulher. - "Em Cristo já não há grego ou Judeu, escravo ou homem livre, homem ou mulher" - é preciso lembrar que na época de Paulo, cada manhã ao se levantar, os judeus dirigiam a Deus esta prece: "Senhor, eu te dou graças porque tu não me fizeste nascer pagão, escravo, nem mulher".
No texto polêmico citado no início desta reflexão, os estudiosos da Bíblia anotam que, curiosamente, estes versículos aparecem de forma brusca, interrompendo a sequência normal da Epístola. Isto leva alguns exegetas a concluir que estes foram acrescentados mais tarde e não pertencem à Carta original de Paulo, mas foram inseridos décadas mais tarde, por causa dos excessos de algumas "Pregadoras", pouco instruídas que andavam disseminando doutrinas erradas. E, portanto era preciso contê-las.
Retomando a questão do véu onde, Paulo ordena que a mulher, ao orar ou profetizar em público, deverá usar um véu na cabeça (I Cor 11,3-10). Alguns estudiosos nos dizem, e não há unanimidade, que a questão gira em torno do costume das mulheres de cobrirem a cabeça pelo menos durante o culto. Mulheres e homens romanos cobriam a cabeça no culto; mulheres e homens gregos não o faziam, para os judeus só a mulher devia cobrir. A cobertura da cabeça era algo cultural e antes de tudo indicava valores que iam além do símbolo
Observemos que a Carta do apóstolo Paulo foi primeiramente endereçada aos irmãos da cidade de Corinto, na Grécia, uma cidade portuária muito importante, pois recebia embarcações de todas as nações através do Mar Mediterrâneo Lá ficava um anfiteatro onde, havia um culto a uma deusa chamada Afrodite. E nesses cultos havia a presença de prostitutas culturais, que tinham relações sexuais durante a cerimônia. A maioria delas tinha a cabeça raspada.
A cultura judaica era diferente dos costumes de Coríntios. As mulheres judias vestiam-se de modo diferente das gregas, o cabelo feminino nesta cultura judaica era objeto fundamental na provocação de prazeres sensuais. Nestas sociedades que usavam cobertura na cabeça, as mulheres casadas que a tinham descoberta eram consideradas infiéis aos maridos, como que procurando outro homem. Por outro lado, as prostitutas e as jovens casadoiras usavam a cabeça descoberta, pois estavam à procura de homem.
Paulo então faz uma analogia para mostrar que uma mulher sem o véu simboliza, na cultura judaica, o mesmo que a mulher com a cabeça rapada simboliza na sociedade grega. Prostituta ou infiel. O motivo maior que levou Paulo a escrever este assunto para a igreja de Corinto, foi para proteger as irmãs que tinham cabelos curtos de serem confundidas com as prostitutas culturais.
O problema dos cabelos femininos, cobertos ou não, poderia se transformar para a Igreja de Corinto em uma grande controvérsia. A lei dos judeus ordenava que fossem soltos os cabelos da mulher suspeita de adultério, como sinal de seu pecado (Num 5,18). Quando os primeiros cristãos se reuniam para suas orações, no meio deles havia mulheres que não eram judias, para as quais não havia mal nenhum usar os cabelos soltos. Então assim, para não ferir a mentalidade dos membros de mentalidade judaica causando neles escândalo, Paulo deu uma norma, prática para todas as mulheres (gregas, judias ou romanas) de cobrir a cabeça com um véu. Portanto o propósito de São Paulo, ao aconselhar o uso de véus pelas mulheres, era salvaguardar a unidade da Igreja.
Podemos também entender que as traduções destes versículos, podem não serem as mais exatas, uma tradução mais próxima do original em grego seria: "Eis porque a mulher deve trazer sobre a cabeça uma marca de autoridade", no NT esse termo nunca designa um poder a que se está sujeito (sentido passivo), mas um poder que se exerce (sentido ativo), o domínio sobre alguma coisa. Portanto, o véu é poder, no sentido de dignidade - a mulher é dona de si e não está à mercê dos olhares dos outros.
Outro detalhe que devemos observar e que, embora Paulo tenha exigido o uso do véu, permite que as mulheres rezem e falem nas assembléias litúrgicas. Assim permitir que a mulher tome parte ativa na liturgia é uma postura totalmente revolucionária do Apóstolo, já que nas sinagogas, a presença das mulheres não tinha nenhuma importância. Entre os judeus, como já falado anteriormente, para iniciar a oração era exigida a presença de 10 pessoas, no mínimo. Só que as mulheres não eram contadas, e se houvesse alguma presente, não podia explicar a Escritura, nem falar ou rezar em voz alta. Devia ficar assentada no fundo do templo para não atrapalhar os homens. Portanto: Paulo permitir que a mulher cristã fale e ore nas reuniões como faziam os homens, era uma incrível novidade.
Na questão da submissão, Paulo primeiro convoca a todos que se submetam uns aos outros, os deveres devem ser entendidos como recíprocos, e os deveres aos quais Paulo se refere, devem ser entendidos com o sentido que tinham naquela cultura. Paulo realmente apela às esposas que se submetam em certo sentido aos seus maridos, talvez para manter a ordem, mas tudo deve ser feito no temor do Senhor. Paulo, vivendo em um contexto totalmente patriarcal, abre espaço para as mulheres, elas que antes não podiam sequer entrar direito nas sinagogas, agora podem entrar e seus maridos devem ensiná-las em casa, para manter a ordem nos cultos, se esta for a vontade delas; Paulo foi o mais ativo promotor do ministério das mulheres no Novo Testamento. De fato Lídia, Evódia e Síntique tiveram um papel ativo na evangelização de Filipos e Paulo situa a participação delas precisamente no mesmo nível que a dos apóstolos homens. Ele reconhece Febe como uma líder da igreja de Cêncris, o porto mais ao leste de Corinto. Priscila liderava uma igreja doméstica com seu esposo, primeiro em Éfeso e depois em Roma. Ápia era uma integrante do comitê de três pessoas que dirigiam a igreja de Colossos. Em Corinto, Paulo assumiu como dado que as mulheres, assim como os homens, podem orar e profetizar nas assembléias litúrgicas. A profecia para Paulo é um dom de liderança, e a oração articula publicamente as necessidades da comunidade. São papéis de liderança.
Por fim a questão do silêncio da mulher na assembléia - 1Cor 14, 33b-35 - O que os exegetas afirmam que S. Paulo deseja é a ordem na assembleia. Não busca aqui tratar de hierarquia. Em Corinto havia certa desordem quanto à vivência dos carismas, isso por causa dos dons em abundância que havia no lugar. No mundo antigo, era comum o mestre ser interrompido por perguntas da platéia. Mas a interrupção era considerada rude se as perguntas refletissem ignorância sobre o assunto. Como as mulheres eram consideradas menos preparadas do que seus maridos, São Paulo teria apresentado uma solução em curto prazo (o silêncio das mulheres em situações específicas) e outra em longo prazo (instrução conseguida junto aos maridos). A solução paulina em longo prazo destaca que a mulher tem potencial para a aprendizagem e a coloca em nível de igualdade com o homem.
Concluindo nossa reflexão sobre o assunto usamos as palavras de pe. Ariel Alvarez em seu trabalho: "Jesus teve sempre um tratamento especial para com as mulheres, por serem elas, na cultura judia, submetidas e marginalizadas. Paulo, discípulo de Jesus, não poderia ser diferente. Uma leitura atenta de suas cartas nos faz descobrir nele um dos maiores defensores dos direitos da mulher. E, até mesmo um "atrevido" feminista. Na Igreja primitiva, Paulo soube colocar as mulheres em funções importantes e proeminentes no trabalho evangelizador".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
PE. ARIEL ALVAREZ VALDÉS / Revista "Tierra Santa" / Nº 738 - Maio - Junho 1999.
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. "A Interpretação da Bíblia na Igreja", São Paulo, Paulinas, 1993.
BARBAGLIO, G. "As Cartas de Paulo", vols. I e II, São Paulo, Loyola, 1989.
DICIONÁRIO DE PAULO E SUAS CARTAS, São Paulo, Paulus, Vida Nova e Loyola, 2008, pp. 635-637.
MESTERS, Carlos. Paulo Apóstolo um trabalhador que anuncia o Evangelho. 9ªed. São Paulo: Paulus, 1991.
FIORENZA, Elisabeth Schussler, 1939-, As origens cristãs a partir da mulher: Uma nova hermenêutica/ São Paulo: Edições Paulinas, 1992.
STROHER, Marga J. A Igreja na Casa Delas; Ensaios e Monografias -12, IEPG, 1996.
SCHOTTROFF, Luise. Exegese Feminista: Resultados de pesquisas bíblicas na perspectiva de mulheres/ Luise Schottroff, Sílvia Schroer e Marie- Theres Wacker; tradução de Monika Ottermann. São Leopoldo: Sinodal/EST; CEBI; São Paulo: ASTE 2008.
www.Pantokrator.org.br - Comunidade Católica Pantokrator
www. Catedralgo.com.br - Catedral Metropolitana - Paróquia N.S. Auxiliadora